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Terapia para a “esquizofrenia” em gestão de projetos

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Bruno Horta Soares CONTEÚDO EM DESTAQUE
LAB GSTI 2.0: Terapia para a “esquizofrenia” em gestão de projetos
Bruno Horta Soares, CISA®, CGEIT®, CRISC™, PMP®, COBIT 5 | bruno.soares@govaas.com


Um dos mitos mais difíceis de derrubar no contexto empresarial é o de que “boas práticas de governança e gestão de sistemas de informação, em particular frameworks como o COBIT, apenas podem ser utilizadas em grandes empresas” . Por trás deste mito existe um racional de que os colaboradores são o principal fator produtivo nas Organizações e de que o sucesso destas está diretamente relacionado com o número de colaboradores. As pessoas são e serão sempre determinantes, mas cada vez mais o que conta é a qualidade e não a quantidade. Hoje vamos voltar a falar de estruturas organizacionais, competências e pessoas.

A palavra esquizofrenia é por vezes utilizada no contexto empresarial ou social para representar realidades ou pessoas confusas, complicadas, pouco estruturadas ou inconsistentes. Como adjetivo, é utilizada sobretudo pelo seu sentido estético, não existindo qualquer intenção de ligar ao seu enquadramento médico de doença mental ou transtorno de personalidade. Há alguns anos retive um comentário de um profissional da área da saúde que me chamou à atenção para a diferença entre “Esquizofrenia” e “Dupla personalidade”. Recorrendo a uma explicação certamente simples e minimalista, lembro-me de me terem explicado que a principal diferença estava relacionada com o facto de no primeiro caso o individuo não ter consciência das diferentes personalidades, enquanto no segundo caso o individuo conhecer e conviver com todas as suas personalidades.

Lembro-me sempre desta história quando me dizem que não é possível implementar todas as estruturas organizacionais referenciadas no COBIT 5 porque não existem pessoas suficientes, nem possibilidade para recrutar mais colaboradores. Muitos colaboradores sofrem efetivamente de uma espécie “esquizofrenia profissional” pois são levados a desempenhar diversas funções em simultâneo sem sequer entenderem de facto que funções são essas. São muitas vezes conhecidos como os “faz tudo” ou "bombeiros”, existindo a sensação de que estes colaboradores são “pau para toda a obra”, mesmo que estes não tenham consciência das suas “múltiplas personalidades empresariais”.

Já aqui falei há algum tempo no artigo “Chapéus há muitos, seu palerma!” da importância de separar “cabeças e chapéus”, aludindo precisamente à importância de separar o elemento Colaborador e o elemento Função nas Organizações . Tomar consciência desta necessidade é um fator determinante para uma melhor clarificação de competências e responsabilidades nas organizações e, consequentemente, para uma melhor perceção da importância de boas práticas como o COBIT 5.

Para analisar em maior detalhe esta situação, vamos considerar os facilitadores definidos em COBIT 5, nomeadamente os Processos e Estruturas Organizacionais.

O processo COBIT 5 “ BAI01 – Gestão de Programas e Projetos ” tem como objetivo “ satisfazer benefícios do negócio e reduzir o risco de atrasos inesperados, custos e perda de valor através da melhoria das comunicações e da associação do negócio e usuários finais, garantindo o valor e a qualidade dos entregáveis do projeto, maximizando a sua contribuição para o portfólio de serviços e investimentos ” e define um modelo RACI de responsabilidades onde são identificadas diversas Estruturas Organizacionais, das quais se destaca o “Steering (Programmes/Projects) Committee” e o “Project Management Office” .

Quererá isto dizer que apenas Empresas que tenham formalmente implementadas estas duas funções serão capazes de gerir programas e projetos? Quererá isto dizer que as Empresas deverão obrigatoriamente contratar colaboradores específicos para liderar o seu PMO e constituir o comité para garantirem o sucesso dos seus programas e projetos?

A resposta é, Depende. A complexidade da Empresa tornará mais ou menos viável e justificável a definição e implementação deste tipo de funções, no entanto, por mais pequena que seja a complexidade e mais reduzido seja o número de colaboradores, o sucesso das empresas passará sempre por tomar consciência da existência de funções e boas práticas e da importância de estas se ajustarem às necessidades das Empresas. Alguns dos aspetos a considerar na análise das funções:
  • Conhecer o que é esperado das funções, nomeadamente os seus princípios operacionais, âmbito de intervenção, nível de autoridade, delegação de autoridade e procedimentos de escalonamento;
  • Conhecer as atividades esperadas em cada uma destas funções para que seja possível definir um modelo de responsabilidades pela sua realização;
  • Entender que produtos (inputs e outputs) são necessários para o seu funcionamento para que as funções possam ser devidamente enquadradas na Empresa.
Conhecendo em detalhe as funções, caberá à Empresa avaliar a necessidade de definição e implementação formal da função ou, caso este cenário não se justifique, garantir que as respetivas responsabilidades estão presentes em outras funções ou colaboradores, e que estes têm conhecimento delas. Como exemplo, poderá não ser criado formalmente um “Steering (Programmes/Projects) Committee”, mas os objetivos e atividades relevantes poderão ser atribuídas a um qualquer outro comité já implementado. No mesmo sentido, mais do que criar um PMO, pode ser importante atribuir os seus objetivos a uma área funcional, esperando que um crescimento da maturidade destes temas cresça e justifique a formalização da função.

Conclusão
Mais do que o nome das funções, o que importa é garantir que os objetivos e atividades que lhes estão associados existem nas Organizações e que os colaboradores têm consciência da sua existência e importância.

Não quero com isto dizer que os nomes não são importantes, porque não só são importantes como muitas das vezes são os nomes que conferem o poder às funções. No entanto, perante o cenário de não se realizarem atividades importantes numa Empresa porque não existem formalmente definidas as funções relacionadas, ou os colaboradores terem consciência da sua importância e das suas responsabilidades, preferirei sempre o segundo cenário.

É como dizer que prefiro uma organização que assuma ter colaboradores com “múltiplas personalidades” do que colaboradores “esquizofrénicos”!


Cumprimentos desde Portugal… estamos juntos!

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